Prioridade dada ao PL da anistia contrasta com adiamento de projetos sobre aplicativos, segurança pública, combustíveis e combate a fraudes
Por Cleber Lourenço
Depois de decidir acelerar a tramitação do projeto de dosimetria, que na prática anistia os criminosos do 8 de janeiro, a Câmara dos Deputados decidiu empurrar para o segundo plano uma série de pautas de interesse direto da sociedade. A decisão foi sacramentada nesta segunda-feira, dia 15, após a reunião de líderes realizada no período da tarde com líderes admitindo que não há disposição política para enfrentar temas considerados mais sensíveis ou conflituosos antes do recesso.
Na prática, propostas que impactam o cotidiano da população ficaram para o próximo ano. Entre elas está o projeto que regulamenta o trabalho por aplicativos (PLP 152), travado pela pressão das plataformas e pela dificuldade de construir um acordo mínimo. A PEC da segurança pública também foi retirada do radar, assim como o PL antifacções e a MPV do gás do povo, todos considerados temas “grandes demais” para serem enfrentados neste momento.
Segundo membros da articulação política do Palácio do Planalto, o adiamento do PL antifacções e da PEC da segurança pública também carrega um recado político direto ao Senado. A avaliação é de que a decisão funciona como resposta ao movimento dos senadores, que trabalham para empurrar o projeto da anistia para o próximo ano. Nos bastidores do governo, a leitura é de que a Câmara acelerou o que lhe interessa e, ao mesmo tempo, retirou de pauta temas sensíveis como forma de pressão institucional sobre a outra Casa.
Nesse contexto, mesmo após a pacificação interna sobre o texto, o PL decidiu, na reunião de ontem, insistir no relatório considerado problemático do deputado Guilherme Derrite para o PL antifacções. Segundo deputados da base, o movimento não busca aperfeiçoar a proposta, mas apenas criar dificuldades adicionais para a tramitação do projeto.
O contraste com a rapidez imprimida à pauta da anistia chamou a atenção de parlamentares ouvidos reservadamente. Para eles, a Câmara escolheu priorizar um debate que atende a interesses políticos específicos, deixando em espera projetos que tratam de segurança, regulação econômica e proteção do consumidor.
No grupo das matérias que ainda podem avançar, apenas projetos ligados ao setor de combustíveis seguem com alguma chance de votação, desde que haja acordo entre líderes. O principal é o PLP 109, que reforça a fiscalização contra fraudes no setor, além de outras propostas motivadas pela repercussão política da operação carbono oculto.
A mesma lógica vale para os projetos sobre inteligência artificial e o REDATA. No caso da inteligência artificial, trata-se de um conjunto de propostas que busca criar regras mínimas para o uso, desenvolvimento e aplicação de sistemas de IA no país, estabelecendo responsabilidades, limites e critérios de transparência, especialmente em áreas sensíveis como segurança, consumo, relações de trabalho e uso de dados pessoais.
Já o REDATA é um projeto voltado à reorganização e integração de bases de dados do Estado, com o objetivo de melhorar o uso de informações públicas, evitar sobreposições, reduzir fraudes e dar mais eficiência a políticas públicas e ações de fiscalização. Apesar de considerados tecnicamente mais maduros, ambos também dependem de acordo político para avançar Sem isso, devem seguir o mesmo caminho das demais pautas adiadas.
Nos bastidores, a avaliação é de que a Câmara entrou oficialmente em modo de autopreservação – de costas para a sociedade. Vota-se o que dá menos trabalho político interno e se adia tudo o que exige debate. O resultado é uma agenda legislativa que corre quando o assunto é anistia e engasga quando o debate envolve segurança, regulação e interesses difusos da sociedade. Cronologicamente, é fim de ano. Politicamente, é a velha prioridade de sempre.
