Tradição? Entenda por que religiosos do candomblé foram assistir a culto católico

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A ida de um babalorixá para acompanhar uma missa na Igreja dos Mares, em Salvador, e que terminou em denúncia de racismo e intolerância religioso, não foi um acaso. O líder religioso Adriano Santos foi com seus “iaôs” (filhos de santo que passaram pela iniciação) para fazer a romaria, um ritual em que os iniciados vão às igrejas católicas para buscar proteção e bênção divina. Mas, apesar de ser tradicional, a peregrinação em templos católicos tem sido alvo de críticas. 

Do terreiro Ilê Axé Yá Onira, o pai de santo Roberto de Iansã – como é conhecido – explica que a romaria é um ritual antigo associado ao sincretismo religioso. Ela acontece após a feitura do santo e, antes de voltar para casa para cumprir resguardo, o iniciado é levado por um babalorixá ou ekedi – cargo feminino na religião – para uma igreja ou até três igrejas católicas. Eles percorrem e dão volta no templo e depois entram para assistir a missa ou fazer alguma reverência. 

Roberto de Iansã ainda explica que a cerimônia não depende do orixá, mas em geral as igrejas são escolhidas conforme o sincretismo que corresponde ao orixá do iniciado. “É um ato que nem todos hoje fazem, mas antigamente se fazia. Não tem incorporação ou oferenda, é uma pessoa que entra no templo religioso e assiste uma missa ou apenas se benze e depois”, afirma.

Religiosos criticam ida à igreja católica

O candomblecista Ronald Alagan acompanhou o caso pessoalmente e compartilhou nas redes sociais o que aconteceu. Nos comentários das publicações, no entanto, fiéis do candomblé criticaram a ida a uma igreja católica para realizar o ritual.

“O ato do padre é repugnante. Porém vamos parar para pensar na “tradição ” de levar nossos iniciados na chamada romaria em uma Igreja católica. Qual o sentido? Não seria mais valioso e ancestral levar nossos iniciados em 7 terreiros para tomar a benção aos mais velhos”, comentou um seguidor. “Com todo respeito aos mais velhos que passaram por esse rito, mas eu não consigo entender qual a necessidade de colocar os neófitos dentro de uma igreja católica para pedir bênção”, respondeu outro. 

Em resposta, Ronald gravou vídeos defendendo a “tradição cultural do candomblé”. Ele diz que o candomblé teve que se remodelar diversas vezes, se escondendo atrás da igreja católica, durante anos e séculos para resistir. “Eu saúdo todos sacerdotes e sacerdotisas que morreram lutando pelo candomblé no Brasil. Como que hoje devo cortar essa miscigenação?”, questiona. 

Ele ainda associou o ritual a outras celebrações sincretistas, como a Lavagem do Bonfim. “Não é só desligar o yaô de não ir na igreja católica, é não frequentar nada. Quem não sabe pra onde vai, dá uma olhada de onde veio”, acrescentou. 

Relembre o caso

Um babalorixá denunciou ter sofrido racismo religioso em uma missa na Igreja dos Mares, em Salvador, na última sexta-feira (22). Segundo o candomblecista Ronald Alagan, que acompanhou o caso, o líder religioso Adriano Santos estava com seus “iaôs” (filhos de santo que passaram pela iniciação) para acompanhar o culto, mas o padre parou a cerimônia para expulsar os religiosos do candomblé da igreja. O líder católico foi identificado como Pe. Manoel da Paixão Gomes do Prado.

“Ele [babalorixá] foi registrar boletim de ocorrência e vim aqui denunciar mais um racismo religioso. Sofreu constrangimento, intolerância, racismo”, reclamou Ronald. “Como de praxe, o padre manda eu me retirar, disse que estava desrespeitando a religião dele”, completou Santos. Os fiéis estavam no local para fazer o ritual da romaria, quando iniciados vão às igrejas católicas para buscar proteção e bênção divina.

Nesta segunda-feira (25), o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) encaminhou ofícios ao responsável pela Igreja Católica Nossa Senhora dos Mares, solicitando que se manifeste a respeito da denúncia, e à Polícia Civil para que informe o andamento do inquérito policial instaurado para apurar o caso.

Em nota, a Arquidiocese de Salvador comentou que valoriza e promove o diálogo inter-religioso, contando com uma Comissão Arquidiocesana para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso, assim como repudia quaisquer atos de intolerância religiosa, defendendo o respeito aos lugares de culto, aos próprios cultos e aos seus participantes.

Quanto ao caso, a instituição informou que “está acompanhando atentamente, em vista da justa apuração do ocorrido”.